Aprender a escrever, alfabetizar-se, é mais do que aprender a grafar sons; ou mesmo, mais do que aprender a simbolizar graficamente um universo sonoro já por si mesmo simbólico. Aqui, aprender a escrever é aprender novos modos do discurso (gêneros); novos modos de se relacionar com interlocutores, muitas vezes, virtuais; novos modos de se relacionar com temas e significados; novos motivos para comunicar em novas situações. Aprender a escrever é construir uma nova inserção cultural. Assim, na construção da escrita, a criança tem muito mais a aprender do que as letras: uma infinidade de gêneros viabilizados pela escritura se abrem à criança quando ela começa a adentrar o mundo da escrita. Uns mais complexos e abstratos do que outros.
O construtivismo não é um método para a prática pedagógica. No entanto, o construtivismo contribui para o entendimento da forma como ocorre o aprendizado, e, nesse sentido, influencia na definição dos objetivos da educação formal e na formulação da intervenção pedagógica. É preciso ver a criança no seu processo de aquisição da escrita, de verificar o que ela sabe e o que ela não sabe, porque é no que ela ainda não sabe, no que ela pode e tem condições de fazer com ajuda, com interferência do adulto, que o professor vai atuar. Nesse sentido, a descrição evolutiva ultrapassa o nível do diagnóstico e da avaliação inicial e contribui efetivamente para informar o desenho de situações deensino/aprendizagem. Muitas vezes a criança pergunta: "Está certo?" E o professor responde: "Está.". O que a criança procura ao fazer suas perguntas? O que ela está querendo de nós, professores? Ela está querendo compartilhar a sua escrita, o que significa também o reconhecimento de uma imposição social da forma ortográfica. A escrita tem um valor social exatamente porque pode ser compartilhada. Portanto, escrever, por exemplo, pato com apenas a e o não é algo que possa ser compartilhado.A aprendizagem da leitura e da escrita não se dá espontaneamente; ao contrário, exige uma ação deliberada do professor e, portanto, uma qualificação de quem ensina. Exige planejamento e decisões a respeito do tipo, freqüência, diversidade, seqüência das atividades de aprendizagem. Mas essas decisões são tomadas em função do que se considera como papel do aluno e do professor nesse processo; por exemplo, as experiências que a criança teve ou não em relação à leitura e à escrita. Incluem, também, os critérios que definem o estar alfabetizado no contexto de uma cultura.
O conhecimento das letras é apenas um meio para o letramento , que é o uso social da leitura e da escrita. Para formar cidadãos atuantes e interacionistas, é preciso conhecer a importância da informação sobre letramento e não de alfabetização. Letrar significa colocar a criança no mundo letrado, trabalhando com os distintos usos de escrita na sociedade. Essa inclusão começa muito antes da alfabetização, quando a criança começa a interagir socialmente com as práticas de letramento no seu mundo social. O letramento é cultural, por isso muitas crianças já vão para a escola com o conhecimento alcançado de maneira informal absorvido no cotidiano. Ao conhecer a importância do letramento, deixamos de exercitar o aprendizado automático e repetitivo, baseado na descontextualização.
Na pré alfabetização, do ato de ensinar, o processo desloca-se para o ato de aprender por meio da construção de um conhecimento que é realizado pelo educando, que passa a ser visto como um ser ativvo, intermediado pelo educador. Os conceitos de prontidão, maturidade, habilidades motoras e perceptuais, são trabalhados pelo professor para estimular aspectos motores, cognitivos e afetivos, vinculados ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos. A perspectiva construtivista considera a interação de todos eles, numa visão política, integral, para explicar a aprendizagem. Os diferentes níveis em que normalmente os alunos se encontram, vão se desenvolvendo durante o processo de alfabetização e assumem importante papel, já que a interação entre eles é fator de suma importância para o desenvolvimento do processo. Os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicam as diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos.
Os níveis são:
1) Nível Pré-Silábico- não se busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse nível:
- diferenciar entre desenho e escrita;
- utilizar no mínimo duas ou três letras para poder escrever palavras;
- reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas (imprensa ou cursiva), escolhendo a que lhe é mais familiar para usar nas suas hipóteses de escrita;
- percebe que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes.
2) Nível Silábico- pode ser dividido entre Silábico e Silábico Alfabético:
- Silábico- a criança compreende que as diferenças na representação escrita está relacionada com o "som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras.
- Silábico Alfabético- convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica(sem valor sonoro) ou fonética (com valor sonoro).
3)Nível Alfabético- a criança agora entende que:
- a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores;
- a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades ortográficas;
- a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras.
Podemos entender o processo de aquisição da escrita pelas crianças sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se seguir o modelo "correto" do adulto; o ponto de vista que contribui para o aprendizado, onde escrita é um objeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um processo discursivo. Para a alfabetização ter sentido, ser um processo interativo, a escola tem que trabalhar com o contexto da criança, com histórias e com intervenções das próprias crianças que podem aglutinar, contrair, "engolir" palavras, desde que essas palavras ou histórias façam algum sentido para elas.
Os "erros" das crianças podem ser trabalhados, esses "erros" demonstram uma construção, e com o tempo vão diminuindo, pois as crianças começam a se preocupar com outras coisas (como ortografia) que não se preocupavam antes, pois estavam apenas descobrindo a escrita.
Na escola a criança deve interagir firmemente com o caráter social da escrita e ler e escrever textos significativos. A alfabetização se ocupa da aquisição da escrita pelo indivíduo ou grupos de individuos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. A alfabetização deve se desenvolver em um contexto de letramento como início da aprendizagem da escrita, como desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes de caráter prático em relação a esse aprendizado; entendendo que a alfabetização e letramento, devem ter tratamento metodológico diferente e com isso alcançar o sucesso no ensino aprendizagem da língua escrita, falada e contextualizada nas nossas escolas. Letramento é informar-se através da leitura, é buscar notícias e lazer nos jornais, é interagir selecionando o que desperta interesse, divertindo-se com as histórias em quadrinhos, seguir receita de bolo, a lista de compras de casa, fazer comunicação através do recado, do bilhete, do telegrama. Letramento é ler histórias com o livro nas mãos, é emocionar-se com as histórias lidas, e fazer, dos personagens, os melhores amigos.
Letramento é descobrir a si mesmo pela leitura e pela escrita, é entender quem a gente é e descobrir quem podemos ser.
Quando planejamos a aprendizagem da leitura e da escrita, optamos inevitavelmente por determinada postura pedagógica. Refletir sobre essa opção faz com que cada vez mais estejamos conscientes de nossa atuação enquanto educadores e, conseqüentemente, aprimorando o trabalho com nossas crianças.
Aprender é tomar conhecimento de algo, retê-lo na memória, graças ao estudo, a observação e a experiência (FERREIRA, 1993) e a aprendizagem é fruto da construção daquilo que se aprende. Para que isso ocorra faz-se necessário pensar, julgar e argumentar, uma potencialidade que precisa ser desenvolvida nos nossos educandos. Algo que precisa ser retomado pelos educadores de todos os níveis do conhecimento - da educação infantil ao ensino superior e também da pós-graduação.
Pensando dessa forma não resta dúvida de que a construção do conhecimento é algo inerente ao ser humano, porém há de se pautar alguns pressupostos para que, de fato, observemos. Precisa-se buscar o novo, uma vez que para assimilá-lo exige esforço, força de vontade e despojamento do velho. É preciso lembrar de que a criança é um ser em construção que age sobre o mundo, que traz, vive e revive experiências a cada novo dia. É preciso aprender com elas. Um outro pressuposto importante está na assimilação do conhecimento e na ação do indivíduo sobre o mundo. Sem ação não haveria pensamento, não haveria argumentação, nem tampouco julgamento. "É agindo no mundo, interagindo com o mundo, que se impõe aquilo que Piaget chamou de assimilação e acomodação das estruturas do pensamento" (GROSSI e BORDIN, 1993, p. 32). Os efeitos das ações que as crianças têm sobre o mundo físico e as interações que mantêm é que impõem uma organização interna do pensamento, uma vez que a ação em pensamento não é outra coisa senão a ação refletida, interiorizada nas estruturas mentais. Por isso, somos chamados de indivíduos (o indivisível), singulares. Somos produtos do meio, co-estruturados pelas estruturas macro e micro-sociais, com expansão de autonomia e liberdade em cada um.
Não se pode esquecer, também, do conflito, outro dado importante no mecanismo de construção do ser. Assim, a contradição é o tempero, o oxigênio das relações sociais, do potencial democrático; para Piaget é o alimento indispensável e necessário à construção do pensamento, da capacidade argumentativa e julgadora da criança.
A ação do pensamento é a ação refletida, interiorizada nas estruturas mentais. Se ela não age, não se pode pensar, porque se não internalizada, interiorizada, não se concretiza o que se desejava aprender. Adentra-se, então, no mundo da contextualização. Sem ela não há aprendizado porque não se vivencia, não se trabalha na zona de desenvolvimento proximal proposta por Vygotsky. O aprendiz somente se apropriará dos valores e conteúdos éticos se estes forem apresentados de forma contextualizada, dentro de uma vivência histórica, cultural e da maneira como a sociedade os define. Em suma, só aprende aquilo que tem significado para ele.
Se pensarmos nas razões para esse tipo de aprendizado chegaremos à conclusão de que nele está o sentido da vida como regra geral: ser feliz. Porque se de fato aprendemos, o fazemos para podermos viver bem, para podermos ser felizes.Acredita-se que o comportamento racional é que nos permite agirmos assim. Proceder de maneira racional significa descobrir qual é o modo mais eficaz de sobreviver, não egoisticamente, mas de sobreviver com os outros e de sobreviver no mundo. "Sobreviver não somente com idéias, mas com relações éticas, de ligações com os outros, de investimento afetivo e emocional" (GROSSI e BORDIN, 1993, p. 38). Portanto, fica claro que o conhecimento é produzido na interação com o mundo.
Se por um lado a aprendizagem é construção, não se pode negar que ela precisa da técnica como instrumento, mas deve-se buscá-la na expressão política, pois "muito mais relevante do que dominar tecnicamente a natureza é saber que fazer da vida. Os fins trazem sentido aos meios e não o contrário" (DEMO, 2000, p. 9).Todavia, a aprendizagem é marcada profundamente pelo trabalho. Trabalhar os limites em nome dos desafios e os desafios dentro dos limites. A aprendizagem exige que se forme sujeitos críticos, conscientes da sua historicidade, éticos, repletos dos valores em que se aninha o processo de educação.
O processo ensino-aprendizagem mediado pelo educador é o exercício da profunda competência do co-ensinar a desenhar o destino próprio, de favorecer a descoberta de um sujeito crítico e criativo, dentro das circunstâncias dadas e sempre com sentido solidário. Não se pode negar que é um grande desafio para todos os educadores. O que definirá esse desafio será a sua tessitura política, visualizada facilmente na necessidade de "inventar" cidadania capaz de mudar a história. O educador que age assim trabalha com inteligência as incertezas; promove uma nova realidade: propõe um caminhar lado a lado com seu aluno, com a autoridade daquele que já andou um caminho mais longo, mediando a vontade de caminhar daqueles que querem aprender com o seu estilo. Tem, portanto, função facilitadora do processo: começa a prevalecer o argumento bem construído sobre a simples instrução - isto é, competência!
Sem sombra de dúvidas o educador atual é aquele que se inclina para ver na aprendizagem a sabedoria dos desafios e dos limites, mais do que a obtenção de conhecimentos já feitos e definitivos. É aquele que promove a aprendizagem com competência para a formação humana, a fim de que os indivíduos que estão sob sua responsabilidade possam desenhar futuros, conviver com os limites para transformá-los em desafios que serão enfrentados e superados. Afinal, de que adianta dominar tecnologias, espaço, mapear o genoma se não conseguirmos manter relações pacíficas com o nosso próximo? É desse tipo de educador que precisamos para mudar a sociedade: para que seja mais justa, fraterna, solidária e humana. E que não seja utópica essa nossa visão!
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