sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A importância da leitura e literatura infantil na formação das crianças e jovens




Renata Junqueira de Souza


A infância é o melhor momento para o indivíduo iniciar sua emancipação mediante a função liberatória da palavra. É entre os oito e treze anos de idade que as crianças revelam maior interesse pela leitura. O estudioso Richard Bamberger reforça a idéia de que é importante habituar a criança às palavras. "Se conseguirmos fazer com que a criança tenha sistematicamente uma experiência positiva com a linguagem, estaremos promovendo o seu desenvolvimento como ser humano."


Inúmeros pesquisadores têm-se empenhado em mostrar aos pais e professores a importância de se incluir o livro no dia-a-dia da criança. Bamberger afirma que, comparada ao cinema, ao rádio e à televisão, a leitura tem vantagens únicas. Em vez de precisar escolher entre uma variedade limitada, posta à sua disposição por cortesia do patrocinador comercial, ou entre os filmes disponíveis no momento, o leitor pode escolher entre os melhores escritos do presente e do passado. Lê onde e quando mais lhe convém, no ritmo que mais lhe agrada, podendo retardar ou apressar a leitura; interrompê-Ia, reler ou parar para refletir, a seu bel-prazer. Lê o que, quando, onde e como bem entender. 

Essa flexibilidade garante o interesse continuo pela leitura, tanto em relação à educação quanto ao entretenimento. 


A professora e autora Maria Helena Martins chama a atenção para um contato sensorial com o objeto livro, que, segundo ela, revela "um prazer singular" na criança. Na leitura, por meio dos sentidos, a criança é atraída pela curiosidade, pelo formato, pelo manuseio fácil e pelas possibilidades emotivas que o livro pode conter. A autora comenta que "esse jogo com o universo escondido no livro "pode estimular no pequeno leitor a descoberta e o aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo. 
Esses primeiros contatos despertam na criança o desejo de concretizar o ato de ler o texto escrito, facilitando o processo de alfabetização. A possibilidade de que essa experiência sensorial ocorra será maior quanto mais freqüente for o contato da criança com o livro. 

Às crianças brasileiras, o acesso ao livro é dificultado por uma conjunção de fatores sociais, econômicos e políticos. São raras as bibliotecas escolares. As existentes não dispõem de um acervo adequado, e/ou de profissionais aptos a orientar o público infantil no sentido de um contato agradável e propício com os livros. 
Mais raras ainda são as bibliotecas domésticas. Os pais, quando se interessam em comprar livros, muitas vezes os escolhem pela capa por falta de uma orientação direcionada às preferências das crianças. 

É de extrema importância para os pais e educadores discutir o que é leitura, a importância do livro no processo de formação do leitor, bem como, o ensino da literatura infantil como processo para o desenvolvimento do leitor crítico. 

Podemos tomar as orientações da professora Regina Zilberman, estudiosa em literatura infanto-juvenil e leitura, como forma de motivarmos as crianças e os jovens ao hábito de ler: abordar as relações entre a literatura e ensino legitimando a função da leitura, sugerindo livros, assim como atividades didáticas, a fim de alcançar o uso da obra literária em sala de aula e nas suas casas com objetivos cognitivos, e não apenas pedagógicos; considerar o confronto entre a criação para crianças e o livro didático, tornando o último passível de uma visão crítica e o primeiro ponto de partida para a consideração dos interesses do leitor e da importância da leitura como desencadeadora de uma postura reflexiva perante a realidade. 

Assim, com relação à leitura e à literatura infantil, pais e professores devem explorar a função educacional do texto literário: ficção e poesia por meio da seleção e análise de livros infantis; do desenvolvimento do lúdico e do domínio da linguagem; do trabalho com projetos de literatura infantil em sala de aula, utilizando as histórias infantis como caminho para o ensino multidisciplinar. 

Estratégias para o uso de textos infantis no aprendizado da leitura, interpretação e produção de textos também são exploradas com o intuito final de promover um ensino de qualidade, prazeroso e direcionado à criança. Somente desta forma, transformaremos o Brasil num país de leitores. 



Renata Junqueira de Souza 

é PhD em Literatura e Educação 
e professora do Departamento de Educação 
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP 
Universidade Estadual de São Paulo, 

onde coordena o Núcleo Lúdico de Pesquisa e Extensão. 

Email para contato: renataecia@stetnet.com.br
Artigo extraído da revista Comunicação e Cultura, 
 editado pela Editora Paulus - abril/maio de 2003



sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PROJETO "O PATINHO FEIO" - AULAS E FESTA DE ENCERRAMENTO ANUAL

Anexo um projeto para as prôs queridas que me pediram sugestões para festa de encerramento... Minha sugestão é, sempre, que a festa de encerramento seja a conclusão de um trabalho muito maior que já foi feito anteriormente! Deve ter um significado para a turma, deve ser fruto de aprendizado. Espero que curtam... segue...

O PATINHO FEIO


A mamãe pata tinha escolhido um lugar ideal para fazer seu ninho: um cantinho bem protegido, no meio da folhagem, perto do rio que contornava o velho castelo. Mais adiante estendiam-se o bosque e um lindo jardim florido. Naquele lugar sossegado, a pata agora aquecia pacientemente seus ovos. Por fim, após a longa espera, os ovos se abriram um após o outro, e das cascas rompidas surgiram, engraçadinhos e miúdos, os patinhas amarelos que, imediatamente, saltaram do ninho. Porém um dos ovos ainda não se abrira; era um ovo grande, e a pata pensou que não o chocara o suficiente. Impaciente, deu umas bicadas no ovão e ele começou a se romper. No entanto, em vez de um patinho amarelinho saiu uma ave cinzenta e desajeitada. Nem parecia um patinho.
Para ter certeza de que o recém-nascido era um patinho, e não outra ave, a mãe-pata foi com ele até o rio e o obrigou a mergulhar junto com os outros. Quando viu que ele nadava com naturalidade e satisfação, suspirou aliviada. Era só um patinho muito, muito feio. Tranqüilizada, levou sua numerosa família para conhecer os outros animais que viviam nos jardins do castelo. Todos parabenizaram a pata: a sua ninhada era realmente bonita. Exceto um. O horroroso e desajeitado das penas cinzentas!
— É grande e sem graça! — falou o peru.
— Tem um ar abobalhado — comentaram as galinhas.
O porquinho nada disse, mas grunhiu com ar de desaprovação. Nos dias que se seguiram, as coisas pioraram. Todos os bichos, inclusive os patinhos, perseguiam a criaturinha feia. A pata, que no princípio defendia aquela sua estranha cria, agora também sentia vergonha e não queria tê-lo em sua companhia. O pobre patinho crescia só, malcuidado e desprezado. Sofria. As galinhas o bicavam a todo instante, os perus o perseguiam com ar ameaçador e até a empregada, que diariamente levava comida aos bichos, só pensava em enxotá-lo. Um dia, desesperado, o patinho feio fugiu. Queria ficar longe de todos que o perseguiam. Caminhou, caminhou e chegou perto de um grande brejo, onde viviam alguns marrecos. Foi recebido com indiferença: ninguém ligou para ele. Mas não foi maltratado nem ridicularizado; para ele, que até agora só sofrera, isso já era o suficiente.
Infelizmente, a fase tranqüila não durou muito. Numa certa madrugada, a quietude do brejo foi interrompida por um tumulto e vários disparos: tinham chegado os caçadores! Muitos marrequinhos perderam a vida. Por um milagre, o patinho feio conseguiu se salvar, escondendo-se no meio da mata. Depois disso, o brejo já não oferecia segurança; por isso, assim que cessaram os disparos, o patinho fugiu de lá.
Novamente caminhou, caminhou, procurando um lugar onde não sofresse. Ao entardecer chegou a uma cabana. A porta estava entreaberta, e ele conseguiu entrar sem ser notado. Lá dentro, cansado e tremendo de frio, se encolheu num cantinho e logo dormiu. Na cabana morava uma velha, em companhia de um gato, especialista em caçar ratos, e de uma galinha, que todos os dias botava o seu ovinho. Na manhã seguinte, quando a dona da cabana viu o patinho dormindo no canto, ficou toda contente.
— Talvez seja uma patinha. Se for, cedo ou tarde botará ovos, e eu poderei preparar cremes, pudins e tortas, pois terei mais ovos. Estou com muita sorte!
Mas o tempo passava, e nenhum ovo aparecia. A velha começou a perder a paciência. A galinha e o gato, que desde o começo não viam com bons olhos recém-chegado, foram ficando agressivos e briguentos. Mais uma vez, o coitadinho preferiu deixar a segurança da cabana e se aventurar pelo mundo. Caminhou, caminhou e achou um lugar tranqüilo perto de uma lagoa, onde parou. Enquanto durou a boa estação, o verão, as coisas não foram muito mal. O patinho passava boa parte do tempo dentro da água e lá mesmo encontrava alimento suficiente. Mas chegou o outono. As folhas começaram a cair, bailando no ar e pousando no chão, formando um grande tapete amarelo. O céu se cobriu de nuvens ameaçadoras e o vento esfriava cada vez mais. Sozinho, triste e esfomeado, o patinho pensava, preocupado, no inverno que se aproximava. Num final de tarde, viu surgir entre os arbustos um bando de grandes e lindíssimas aves. Tinham as plumas alvas, as asas grandes e um longo pescoço, delicado e sinuoso: eram cisnes, emigrando na direção de regiões quentes. Lançando estranhos sons, bateram as asas e levantaram vôo, bem alto. O patinho ficou encantado, olhando a revoada, até que ela desaparecesse no horizonte. Sentiu uma grande tristeza, como se tivesse perdido amigos muito queridos. Com o coração apertado, lançou-se na lagoa e nadou durante longo tempo. Não conseguia tirar o pensamento daquelas maravilhosas criaturas, graciosas e elegantes.  Foi se sentindo mais feio, mais sozinho e mais infeliz do que nunca. Naquele ano, o inverno chegou cedo e foi muito rigoroso. O patinho feio precisava nadar ininterruptamente, para que a água não congelasse em volta de seu corpo, criando uma armadilha mortal. Mas era uma luta contínua e sem esperança. Um dia, exausto, permaneceu imóvel por tempo suficiente para ficar com as patas presas no gelo.
— Agora morrerei — pensou. — Assim, terá fim todo meu sofrimento.
Fechou os olhos, e o último pensamento que teve antes de cair num sono parecido com a morte foi para as grandes aves brancas. Na manhã seguinte, bem cedo, um camponês que passava por aqueles lados viu o pobre patinho, já meio morto de frio.  Quebrou o gelo com um pedaço de pau, libertou o pobrezinho e levou-o para sua casa. Lá o patinho foi alimentado e aquecido, recuperando um pouco de suas forças. Logo que deu sinais de vida, os filhos do camponês se animaram:
— Vamos fazê-lo voar!
— Vamos escondê-lo em algum lugar!
E seguravam o patinho, apertavam-no, esfregavam-no. Os meninos não tinham más intenções; mas o patinho, acostumado a ser maltratado, atormentado e ofendido, se assustou e tentou fugir. Fuga atrapalhada! Caiu de cabeça num balde cheio de leite e, esperneando para sair, derrubou tudo. A mulher do camponês começou a gritar, e o pobre patinho se assustou ainda mais. Acabou se enfiando no balde da manteiga, engordurando-se até os olhos e, finalmente se enfiou num saco de farinha, levantando uma poeira sem fim. A cozinha parecia um campo de batalha. Fora de si, a mulher do camponês pegara a vassoura e procurava golpear o patinho. As crianças corriam atrás do coitadinho, divertindo-se muito. Meio cego pela farinha, molhado de leite e engordurado de manteiga, esbarrando aqui e ali, o pobrezinho por sorte conseguiu afinal encontrar a porta e fugir, escapando da curiosidade das crianças e da fúria da mulher. Ora esvoaçando, ora se arrastando na neve, ele se afastou da casa do camponês e somente parou quando lhe faltaram as forças. Nos meses seguintes, o patinho viveu num lago, se abrigando do gelo onde encontrava relva seca.  Finalmente, a primavera derrotou o inverno. Lá no alto, voavam muitas aves. Um dia, observando-as, o patinho sentiu um inexplicável e incontrolável desejo de voar. Abriu as asas, que tinham ficado grandes e robustas, e pairou no ar. Voou. Voou. Voou longamente, até que avistou um imenso jardim repleto de flores e de árvores; do meio das árvores saíram três aves brancas. O patinho reconheceu as lindas aves que já vira antes, e se sentiu invadir por uma emoção estranha, como se fosse um grande amor por elas.
— Quero me aproximar dessas esplêndidas criaturas — murmurou. — Talvez me humilhem e me matem a bicadas, mas não importa. É melhor morrer perto delas do que continuar vivendo atormentado por todos.
Com um leve toque das asas, abaixou-se até o pequeno lago e pousou tranqüilamente na água.
— Podem matar-me, se quiserem — disse, resignado, o infeliz.
E abaixou a cabeça, aguardando a morte. Ao fazer isso, viu a própria imagem refletida na água, e seu coração entristecido deu um pulo. O que via não era a criatura desengonçada, cinzenta e sem graça de outrora. Enxergava as penas brancas, as grandes asas e um pescoço longo e sinuoso. Ele era um cisne! Um cisne, como as aves que tanto admirava.
— Bem-vindo entre nós! — disseram-lhe os três cisnes, curvando os pescoços, em sinal de saudação.
Aquele que num tempo distante tinha sido um patinho feio, humilhado, desprezado e atormentado se sentia agora tão feliz que se perguntava se não era um sonho! Mas, não! Não estava sonhando. Nadava em companhia de outros, com o coração cheio de felicidade.  Mais tarde, chegaram ao jardim três meninos, para dar comida aos cisnes. O menorzinho disse, surpreso:
— Tem um cisne novo! E é o mais belo de todos! E correu para chamar os pais.
— É mesmo uma esplêndida criatura! — disseram os pais.
E jogaram pedacinhos de biscoito e de bolo. Tímido diante de tantos elogios, o cisne escondeu a cabeça embaixo da asa. Talvez um outro, em seu lugar, tivesse ficado envaidecido. Mas não ele. Seu coração era muito bom, e ele sofrera muito, antes de alcançar a sonhada felicidade!


PROJETO




As áreas em que a Educação Infantil que determinam as aprendizagens, aplicando-as á história do Patinho Feio, são as seguintes:
  • Formação Pessoal e Social – esta área é apenas contemplada na educação pré-escolar dada a sua importância neste nível educativo, em que as crianças têm oportunidade de participar num grupo e de iniciar a aprendizagem de atitudes e valores que lhes permitam tornar-se cidadãos solidários e críticos. Nesta área, que tem continuidade nos outros ciclos enquanto educação para a cidadania, acontecem algumas aprendizagens globais que lhe são próprias. Aplica-se a condiçào pessoal e social do Patinho em nossa história, conversando com as crianças, sobre a apareência, a diversidade física e familiar. Abordar temas como bullyng, aceitação e tolerância com as diferenças, é de perfeita compreensão e aplicação mesmo com as crianças menores.
  • Expressão e Comunicação – nesta área surgem separadamente os seus diferentes domínios. No domínio das Expressões são diferenciadas as suas diferentes vertentes: Motora, Plástica, Musical, Dramática, neste caso designada por Expressão Dramática/Teatro, tendo-se acrescentado a Dança que tem relações próximas com a Expressão Motora e Musical. As metas propostas para estas várias vertentes estão organizadas de acordo com domínios de aprendizagem que são comuns a todo o ensino artístico ao longo da escolaridade básica. Por seu turno, a estrutura da Expressão Motora corresponde à que é adoptada para a Educação Física Motora do 1º ciclo. Estas opções decorrem da intenção de progressão, articulação e continuidade que presidiu à elaboração destas metas. É possível oraganizar atividades de pintura e colagem, definindo texturas (penas macias comparadas a texturas ásperas), cores (colorindo os patinhos), posição (dentro e fora do lago, perto e longe da mamãe pata). As crianças podem representar a história com músicas do tema, com narração da professora ou com um teatrinho.
  • Linguagem Oral e Abordagem da Escrita – esta área corresponde à Língua Portuguesa nos outros ciclos e inclui não só as aprendizagens relativas à linguagem oral, mas também as relacionadas com compreensão do texto escrito lido pelo adulto, e ainda as que são indispensáveis para iniciar a aprendizagem formal da leitura e da escrita. A palavra PATO pode ser montada e remontada. Também é interessante realizar com as crianças uma pesquisa, buscando e colorindo as letras de PATO nos nomes próprios dos alunos. Que outras palavras podem ser formadas partindo da palavra PATO?
  • Matemática – esta área contempla as aprendizagens fundamentais neste campo do conhecimento, distribuídas também pelos grandes domínios de aprendizagem que estruturam a aprendizagem da Matemática nos diferentes ciclos. É divertido montar patinhos com figuras geométricas recortadas, contar os patinhos montados, organizá-los por ordem de tamanho, enumerá-los, embaralhá-los e novamente oragnizá-los por ordem numérica.
  • Conhecimento do Mundo – esta área abarca o início das aprendizagens nas várias ciências naturais e humanas, tem continuidade no Estudo do Meio no 1º ciclo e inclui, tal como este, de forma integrada, o contributo de diferentes áreas científicas (Ciências Naturais, Geografia e História). Que tipo de animal o PATO pode ser classificado? Quais são as características dos animais ovíparos? Quais são as diferenças entre os animais domésticos e selvagens? O que caracteriza um ser vivo, quais os cuidados para seu desenvolvimento?
  • CONCLUSÃO- Para conclusão do projeto, os alunos podem apresentar um teatrinho ou um musical, fazendo uso de fantasias confeccionadas com materiais recicláveis, tais como: papelão (estrutura), papel higiênico colorido pelos alunos (penas), árvores de garrafas pet, um lago de restos de mebalagens. O visula fica colorido, muito barato e incentiva entre as crianças a reciclagem de produtos que eles consomem diariamente. Pode ser realizada, paralelamente, uam exposição de trabalhos e fotos do projeto para serem apreciados antes e após o evento.





segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Importância da Cultura na Formação do Cidadão


CULTURA

A cultura – somatória de costumes, tradições e valores -  é um jeito próprio de ser, estar e sentir o mundo, ‘jeito’ este que leva o indivíduo a fazer, ou a expressar-se, de forma característica.
Ora, SER é também PERTENCER – a algum lugar, a alguma fé ou a um grupo, seja família, amigos ou povo.
Daí ser a cultura um forte agente de identificação pessoal e social, um modelo de comportamento que integra segmentos sociais e gerações, uma terapia efetiva que desperta os recursos internos do indivíduo e fomenta sua interação com o grupo e um fator essencial na promoção da saúde, na medida em que o indivíduo se realiza como pessoa e expande suas potencialidades.
A percepção individual do mundo é influenciada pelo grupo. Aquilo que o grupo aprova ou valoriza tende a ser selecionado na percepção pessoal; já o que é rejeitado ou indiferente aos valores do grupo tem menor possibilidade de ser selecionado pela percepção do sujeito – e se for significativa para o sujeito, este o guarda para si ou o elabora de forma a adaptá-lo aos valores grupais, seja de foram lúdica, simbólica ou distorcida, no intuito de evitar a censura coletiva.
O indivíduo que consegue burlar a censura grupal e introduzir nela uma significativa mudança de valores adquire o poder de influenciar a História, daí o dizer-se que ‘os poetas são profetas’. Explica-se, assim, o medo que os governos autoritários e ditatoriais tem da elite cultural a a perseguição política acirrada que os representantes da cultura tem sofrido através dos séculos – por exemplo, queima de livros e de sábios nas fogueiras da Inquisição, acusados de bruxaria e de pacto com o demônio.
Os povos evoluem através de mudanças significativas em sua cultura e as mudanças acontecem rapidamente quando o clima político é de liberdade; caso contrário demora apenas mais uma pouquinho, o tempo de o pensamento, que é livre, romper os grilhões da intolerância.

A CULTURA E A IDENTIDADE PESSOAL

Quem sou?
A identidade alicerça-se em capacidades e em valores, no que somos capazes de compreender do mundo e no significado que damos às nossas vidas. Destaco a seguir quatro processos de a cultura influir na identidade personalizando a atuação individual:

O agente cultural:

O artista, seja ele escritor, pintor, cantor, compositor – e também o esportista – sente-se alguém. Alguém que é respeitado pelo que é capaz de realizar, e, na velhice, mesmo se incapaz de criar, por limitações decorrentes da idade (mãos trêmulas, declínio da voz, fraqueza muscular etc) é amiúde solicitado a transmitir suas vivências aos mais jovens. Desta forma, o indivíduo sente-se útil e é gratificante recordar as glórias passadas sentindo que  contribui ainda para estimular e incentivar o ideal de uma vida.

O propagador cultural:

Há indivíduos que não criam, mas apreciam o belo, dedicando suas vidas a promover cultura. Assim,  diz-se que ‘o crítico literário é um autor frustrado’, aforisma que pode ser estendido aos comentaristas de arte e de esportes, bem como às demais atividades críticas. Os mecenas são outra categoria de pessoas que extraem prazer estético da arte que promovem e não são capazes de criar.
Há que citar os que comercializam a arte, vendendo ou comprando os produtos culturais, grupo hoje em dia acrescido dos profissionais da mídia, com o poder de promoverem no mercado o que lhe convém, à revelia da qualidade. Ainda que interesses de lucro interfiram ou entravem a promoção dos produtos bons, em última análise esses entraves econômicos agem como um desafio motivador, e o julgamento de valor fica para a posteridade: o joio e o trigo separam-se aos olhos da geração futura e os grandes gênios, que em vida passaram privações e até morreram esquecidos, recebem seu reconhecimento a posteriori. A História está  cheia de exemplos de ‘vitórias’ fugazes, hoje relegadas ao esquecimento, e de autores e pintores geniais desprezados em vida.
Assim, agentes culturais diversos dão significado a suas vidas organizando, promovendo e divulgando eventos vários.

O espectador cultural:

E finalmente, há aquele que não cria nem promove e que no entanto aprecia intensamente a arte. Indivíduos assim identificam-se entre si e organizam-se em fãs clubes, cuja penetração varia desde o bate-papo informal com os amigos até a distribuição de zines e elaboração de congressos ou entidades mais ou menos sofisticadas, com a finalidade de admirar e cultuar o ídolo. Cito como exemplo o grupo de admiradores da série Jornada nas Estrelas.
Uma categoria em especial destaca-se por sua importância no resgate cultural de certas épocas ou certos ídolos: os colecionadores. O prazer de colecionar começa pela identificação com o ídolo, passa pelo orgulho de possuir objetos raros e culmina na satisfação de deter e divulgar conhecimento. Colecionadores contribuem significativamente para a preservação e para o resgate cultural de uma época ou arte específica.
Assim, na questão da identidade, a cultura elabora a identidade de quem faz, de quem divulga e de quem conhece um aspecto determinado dessa cultura. Enfim, ser alguém capaz – seja de fazer, de divulgar ou de conhecer arte – estabelece uma identidade pessoal que efetivamente enriquece uma existência.

O alienado cultural

Este é um agente às avessas, alguém que denuncia a incapacidade daquela sociedade em particular promover a integração de certos segmentos ou indivíduos. Freqüente nos governos ditatoriais, o alienado cultural evidencia a exclusão social, a opressão e a manipulação de segmentos menos poderosos nem por isso menos numerosos da sociedade.
Se a alienação cultural é um sintoma, o é antes de um doença social do que individual. Freqüentemente o alienado cultural expressa-se por meios próprios alternativos, através de uma sub-cultura, que as elites dominantes desvalorizam, desprezam e que podem adquirir proporções de verdadeira rebelião cultural. Foi o caso do movimento Impressionista na pintura, na França, e da Semana de Arte Moderna de 1922 no Brasil. E nesses casos pode ocorrer o fenômeno da ‘contra-cultura’.
Atualmente temos grafiteiros, descendentes diretos de pichadores marginalizados, que se autodenominam ‘cultura de rua’. E também os raps, as danças de rua, entre outros.
Esta polarização entre a elite e os excluídos dá origem a um movimento pendular entre os extremos da comunidade de tal sorte que a História da arte é a história de uma seqüência de movimentos de polaridade: depois do romantismo segue-se o realismo, após longos períodos de valorização do espiritual, segue-se um longo período de valorização do carnal etc.

A CULTURA A IDENTIDADE SOCIAL

Quem  mais?
A consciência de SER pode gerar solidão caso não haja a consciência de PERTENCER, ou seja, de compartilhar a existência com outros.
Assim, o conhecimento de que outros também fazem, divulgam e apreciam o mesmo que o indivíduo, é o meio de integrá-lo à sociedade. Ser poeta é bom, mas ser um poeta brasileiro entre outros poetas brasileiros é melhor. A comparação inevitável com os outros é desafiadora e motivadora. Diga-se o mesmo para qualquer outra modalidade cultural. Ao prazer de criar, soma-se o prazer de cultivar um estilo próprio. Já não se trata mais de criar, divulgar ou apreciar arte, mas de criar, divulgar ou apreciar sob uma ótica diferente, peculiar, personalizada.
Esta identidade cultural, em diferentes níveis, vai alicerçando a consciência do povo. Fala-se e vivencia-se um música brasileira, porém há ritmos baianos e, dentro da música regionalista baiana, aprecia-se esta ou aquele determinada tendência. Nem por isso deixamos de sentir que existe uma musicalidade comum a todos os povos e a todas as eras, pois, além de universal, a música é transcendental, ou seja, dá-nos a sensação de união com a divindade.
Esse sentimento de transceder o espaço e o tempo está presente em todas as formas de manifestação cultural. É um sentimento atávico, inerente à espécie.
Este atavismo é decorrência da necessidade de comunicação, pois quem vive, comunica-se, e o homem que se comunica, o faz necessariamente através de certos meios e símbolos. Ora, a existência de meios e símbolos de comunicação são, em si, o alicerce da cultura – o jeito de ser – de um grupo.
A formação cultural de um grupo estabelece-se alicerçada nos fatores climáticos e geográficos inicialmente, passando pelas atividades de sobrevivência mais adequadas àquele grupo, pelo tipo de alimento disponível, e a seguir pela religião e atividades de lazer que se estabelecem em decorrência das primeiras condições citadas.
Assim, onde há frio, lê-se muito, come-se grande quantidade de gordura, a solidariedade é sinônimo de sobrevivência. Onde há calor exercita-se o corpo, come-se frutas frescas, impera o espírito de aventura. Há uma psicologia das montanhas diversa da psicologia das planícies; o montanhês sente segurança e proteção onde os nativos das planícies percebe perigos desconhecidos; o montanhês sente-se exposto e vulnerável na amplidão que, para o nativo das planícies é a essência mesmo do seu bem-estar  no mundo. É  o meio influenciando o homem e moldando-o à sua imagem, sendo a seguir também moldado e modificado por ele.
A mídia e as facilidades tecnicológicas modernas diminuíram os contrastes sem anular as diferenças. A comunicação entre os povos estimula a compreensão e o respeito mútuo, e enriquece a humanidade.

A CULTURA COMO PONTE ENTRE GERAÇÕES E EXTRATOS SOCIAIS

O fazer e o admirar a arte, utilizando-a como fator de integração social e formador de identidade,  é comportamento transmitido de pai para filho, e começa no berço, ao som das primeiras cantigas de ninar e das primeiras histórias de fadas.
Muito há que se falar sobre as histórias de fadas, a linguagem que os adultos encontram para penetrar no universo infantil.
As histórias de fadas oferecem muito mais do que magia e encantamento à mente de crianças de todas as idades.
Os contos de fadas, trabalhados há séculos por gerações e gerações de crianças, têm uma sabedoria própria e são o veículo ideal para introduzar  a criança  em seu contexto cultural.
As histórias infantis refletem-se no psiquismo infantil em vários níveis, conscientes e inconscientes. A utilização destas histórias permite uma ampla abordagem da problemática infantil por várias razões:
a - a mais óbvia é a razão estética: sendo agradável, capta a atenção da criança.
b- é uma atividade lúdica que permite o desdobramento do tema utilizando a criatividade e a participação ativa da criança, podendo ser transformada em dramatização simples, peça teatral elaborada, pintura, letra de música e brincadeira de faz-de-conta.
c- contar uma história estabelece e/ou fortalece os vínculos afetivos entre quem conte e quem ouve. Através das interações não verbais que se estabelecem entre o narrador e o ouvinte, cria-se uma cumplicidade, uma empatia que fortalece a sensação de segurança e compreensão do outro por parte do narrador quanto do ouvinte.
d- ouvir histórias auxilia a criança a sentir-se incluída no mundo e integrada à realidade. Como os pais contam para ela que na sua idade ouviam histórias contadas pelos avós, e que ela poderá, por sua vez, contar a seus filhos, a criança pode identificar-se com os pais, projetar-se no futuro, modelar seus comportamentos e perceber-se como um elo vivo na cadeias de gerações.
e- as histórias ampliam o vocabulário infantil e transmitem por estímulos subliminares todo tipo de informação cultural e conhecimentos teóricos sobre a história, a geografia, a religião e os costumes dos povos.
A criança, ao aprender algo com o avô ou outro idoso, adquire respeito pela sabedoria adquirida, admira o outro, valoriza a tradição e deseja para si esta sabedoria enriquecida pelos anos. O ancião, por sua vez, ao ensinar, renova seu conhecimento , ao percebê-lo através dos olhos infantis; revive as boas lembranças, consolida sua auto-estima. No contato entre velhos e jovens verifica-se um enriquecimento mútuo: os velhos melhoram a atenção, a memória, a saúde e o humor; os jovens ganham em paciência e em humildade. Através da cultura, o conflito pode transformar-se em parceria, a tolerância dar lugar à integração dos novos passos no mesmo caminho antigo.
Uma cumplicidade estabelece-se entre pessoas de todas as idades e de todos os extratos sociais frente a uma manifestação cultural. Por meio de um elo invisível, já não se trata mais de ser rico ou pobre, branco, negro ou mestiço, rural ou urbano – trata-se de SER brasileiro, e neste termo ‘brasileiro’, ao som do Hino Nacional, todos sentem-se iguais.
A identificação dos diferentes segmentos da coletividade frente a uma equipe esportiva, defendendo o nome do país nos Jogos Olímpicos, em um campeonato mundial, ou frente a um filme que concorra a uma premiação internacional, cria um forte vínculo ante o qual desaparecem as diferenças menos significativas. Em torno do ideal cultural é possível unificar toda uma nação e motivá-la para um importante trabalho de desenvolvimento social – lembremos o que ocorreu em diversos países após a Segunda Grande Guerra.
No Brasil existem atualmente diversos grupos isolados trabalhando a cultura com a intenção de integrar à sociedade segmentos marginalizados – menores, doentes e idosos. No caso do idoso, os cursos e clubes de lazer para a Terceira Idade são um importante fator de melhora de qualidade de vida.
A solução cultural é a melhor arma de que dispomos para combater os graves problemas socioeconômicos de nosso país, pois a cultura interfere na autoestima de maneira surpreendente, atribuindo valor, identidade, disciplina e motivação para mudar. A cultura proporciona prazer em SER, FAZER e PERTENCER, sendo este o prazer sadio do bem viver, força capaz de contrapor-se ao medonho prazer das drogas e da tendência autodestruição para que se dirigem os excluídos sociais.

A CULTURA COMO TERAPIA

Do grego vem a palavra ‘catarse’, que quer dizer purificação.
A arte é uma forma de catarse, em todas as suas manifestações: literatura, teatro, música, canto, dança, pintura etc.  E toda catarse tem um aspecto terapêutico.
Para o artista, a arte é uma forma de liberação emocional, sendo a criação uma forma elaborada e complexa de transformar o sofrimento em beleza, o objeto artistíco sendo a forma de comunicação do mundo interno do artista. Em alguns casos extremos, a solução final: comunicar-se ou enlouquecer.                         
Também para o espectador, que se projeta na obra admirada, a catarse acontece. E a emoção do esportista, e do torcedor, também são poderosas formas de catarse. Na emoção do momento, protegido pelo simbolismo cultural, pode o indivíduo soltar as emoções represadas em seu cotidiano. Exemplo impressionante de catarse popular aconteceu quando do falecimento de Airton Senna. Todas aquelas lágrimas, seguramente eram mais do que a tristeza pela perda do ídolo. O símbolo cultural tem esta plasticidade de prestar-se a diversas interpretações em vários níveis de complexidade psicológica.
No caso específico da saúde, podemos observar pela época da aposentadoria a eclosão de diversas doenças, com destaque para as depressões, decorrentes do sentimento de inutilidade e pela percepção da proximidade da morte. Também as lutas sociais pelo poder, as frustrações e, as desilusões geram toda sorte de sofrimento moral e físico.
É quando FAZER arte pode consolar aquele que não pode TER e levá-lo ao equilíbrio psíquico por SER alguém.
Grupos que se reúnem por um interesse cultural comum e permitem-se CRIAR obtém excelentes resultados. Ao fazer versos, cantar, pintar, representar, o indivíduo percebe aptidões inexploradas, e, entretido na atividade catártica, abandona o mau-humor, a depressão, esquece as dores, supera limitações e por vezes descobre talentos adormecidos.
A corrida atrás do dinheiro, a luta pela sobrevivência embota aos poucos a sensibilidade. É na aposentadoria que muitos se permitem liberar , ou descobrem pela primeira vez, a criatividade pelo prazer, desvinculada de qualquer vínculo prático ou monetário, e, como a criança, que vive intensamente o presente, o indivíduo recupera o amor pela vida, ingrediente principal da saúde.

A CULTURA COMO RESGATE DA CIDADANIA

Pelo exposto acima, concluímos que a cultura, em todos os seus aspectos, artísticos ou outros, tanto de criação, quanto de admiração e divulgação, tem como resultado fortalecer a identidade pessoal e social do indivíduo, bem como de integrá-lo em sua família e em sua comunidade, fornecendo-lhe, através do bem estar mental e social, condições de bem estar no mundo, ou seja, de saúde, em latu sensu.
O indicíduo comprometido com a cultura é feliz, portanto, pois sua vida adquire um significado útil. Este é – ou deveria ser – o objetivo da sociedade humana: o bem estar do grupo alicerçada na felicidade de cada um.